Esquema utilizaria beneficiários de programas sociais para emprestar documentos
Um esquema operado por chineses utiliza registros de casas de apostas do Governo Federal para conferir aparência de legalidade a operações clandestinas no Brasil. Segundo apurou o Estadão, empresas de fachada abertas em nomes de “laranjas” brasileiros têm sido usadas para disseminar cassinos virtuais sem qualquer tipo de controle. Beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família, estão entre os aliciados para emprestar seus documentos e abrir as bets ilegais.
De acordo com a reportagem, as empresas ilegais divulgam jogos como o “tigrinho”, oferecendo lucros enganosos para atrair apostadores. Influenciadores digitais são treinados para simular ganhos fictícios, enquanto o esquema movimenta valores não rastreados por meio de companhias suspeitas. Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que fraudes serão identificadas e que poderá acionar a Polícia Federal e o Ministério Público.
Status de ‘legalidade’
As bets irregulares exibem textos em seus sites destacando supostos registros junto à Receita Federal e ao Ministério da Fazenda. Apesar disso, a maioria opera sem licença. As regras em vigor desde setembro permitem que empresas solicitem autorizações até 31 de dezembro, sendo necessário o pagamento de R$ 30 milhões para obter a licença.
Contudo, investigações do Estadão apontam que, dos 183 pedidos de cadastro no sistema oficial do Ministério da Fazenda, ao menos 33 foram feitos em nomes de terceiros ou com dados irregulares.
Ainda segundo o levantamento, 29% dessas solicitações apresentam indícios de fraude, incluindo empresas registradas em nomes de pessoas com renda incompatível com a atividade. Outras 20 companhias foram identificadas como baixadas na Receita Federal ou associadas a beneficiários de auxílios sociais.
Ação internacional
O esquema, apelidado de “bets chinesas”, também envolve operadores de outras regiões, como Europa Oriental e países asiáticos. A reportagem do Estadão identificou dois estrangeiros que contrataram brasileiros para abrir empresas fictícias, pagando cerca de R$ 600 por registro. Em um dos casos, mensagens em aplicativos indicam um tom coercitivo por parte dos operadores.
Nas últimas três semanas, a reportagem do Estadão identificou as pessoas envolvidas nos registros realizados junto ao governo, chegando a dois estrangeiros que financiaram a abertura de ao menos 30 empresas em nomes de brasileiros, aguardando autorização do Ministério da Fazenda. O jornal conversou com ambos — um homem e uma mulher — por telefone, em inglês, e também por mensagens em português, enviadas com o auxílio de tradução automática.
Ambos utilizam o mesmo número de telefone, com DDI do Camboja, e se apresentam como chineses residentes em Dubai. Preferindo o anonimato, o casal mantém um perfil discreto. O nome associado ao número no WhatsApp continha caracteres orientais, descritos por uma especialista em língua chinesa como uma logografia que significa “por favor, confirme o dinheiro por mensagem de voz”. O texto reforça a suspeita de que o número é utilizado para negócios virtuais.
Laranjas
Joana (nome fictício), 43 anos, tem dois filhos e é beneficiária do Bolsa Família. Ela afirmou ao Estadão que desconhecia a abertura de uma empresa em seu nome. Ao saber da utilização, abriu um boletim de ocorrência.
“Eu não reconheço essa empresa. Eu até me assustei. Estou sem entender nada, estou perdida. Não tenho empresa nenhuma. Não tinha conhecimento disso. Eu nem sei abrir empresa”, contou.
Enquanto isso, outra Roberta, de 33 anos e moradora de Gravataí, no Rio Grande do Sul, admitiu ter criado 29 registros por solicitação de um estrangeiro, que pagaria R$ 600 reais por cada empresa aberta. Para alcançar o número, usou nome de familiares. Ela recebia o pagamento por meio de saldo na casa de apostas. A mulher, então, transferia os valores para a conta pessoal.
Segundo o Ministério da Fazenda, qualquer irregularidade é detectada pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) durante análise dos registros. “Se houver indícios de cometimentos de crimes, a SPA poderá enviar os casos aos órgãos de repressão aos crimes, o Ministério Público e a Polícia (Federal, estaduais ou distrital, conforme o caso)”, divulgou.