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Estudo aponta que apostas online geram R$ 38,8 bi em custos sociais; saúde concentra R$ 30,6 bi

  • Última modificação do post:2 de dezembro de 2025
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Desse valor, R$ 17 bilhões atribuídos a mortes adicionais por suicídio e R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida

Um dossiê técnico sobre os efeitos das apostas online no Brasil estima que os danos sociais e econômicos associados ao jogo problemático somam R$ 38,8 bilhões por ano, valor que, segundo os autores, concentra sobretudo custos de saúde, perda de qualidade de vida e consequências sociais como desemprego, perda de moradia e encarceramento. Essas estimativas foram construídas a partir de pesquisas nacionais e modelos internacionais adaptados ao contexto brasileiro.

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O documento, que é uma iniciativa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM) e da Uman, intitulado A saúde dos brasileiros em jogo,  conclui que R$ 30,6 bilhões desses custos (78,8% do total) estão ligados diretamente à saúde, incluindo R$ 17 bilhões atribuídos a mortes adicionais por suicídio e R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida decorrente de depressão.

Os autores Dayana Rosa (IEPS), Filipe Asth (IEPS), Julia Pereira (IEPS), Marcella Semente (IEPS), Rebeca Freitas (IEPS), Sara Ellen Tavares (IEPS) e Victor Nobre (IEPS) destacam que a conta social do jogo problemático é muito superior ao que o Estado tem arrecadado com a atividade até aqui, colocando em risco a sustentabilidade do sistema público de saúde e a coesão de famílias e comunidades.

Por que R$ 38,8 bilhões?

A construção do número parte de três vetores principais: (1) prevalência de comportamentos de risco e jogo problemático no país; (2) tradução desses quadros em consequências quantificáveis (anos de vida ajustados por qualidade, custos médicos, benefícios sociais, etc.); e (3) aplicação de parâmetros econômicos internacionais (principalmente do Reino Unido) adaptados à realidade brasileira.

Os autores usam dados do LENAD III (UNIFESP) para estimar que 0,8% da população adulta é classificada como apostador problemático e que 6,5% está em situação de risco (baixo a moderado), totalizando cerca de 12,8 milhões de pessoas em situação de risco. Com essa base, calcularam os impactos monetizados relacionados à saúde e a eventos sociais associados.

Onde o dinheiro “some”

Do total estimado, R$ 17 bilhões referem-se a mortes adicionais por suicídio atribuídas ao fenômeno; R$ 10,4 bilhões correspondem à perda de qualidade de vida por depressão (medida por QALY — anos de vida ajustados por qualidade); e R$ 3 bilhões são gastos diretos com tratamentos médicos para depressão.

Outros itens mensurados incluem perda de moradia (R$ 1,3 bi), benefícios de seguro-desemprego (R$ 2,1 bi) e custos com encarceramento por atividades criminais relacionadas (R$ 4,7 bi). Os autores ressaltam que essas estimativas são conservadoras, pois muitos danos como ruptura de laços familiares ou impacto sobre crianças ainda não foram monetizados por falta de evidência robusta.

Arrecadação x custo

O dossiê chama atenção para a discrepância entre arrecadação e custos. A estimativa de arrecadação do setor, que ainda é recente e em expansão, foi de R$ 6,8 bilhões no acumulado de 2025 (fevereiro–setembro), contraposta aos R$ 38,8 bilhões de custo social anual estimado.

Em 2024, quando a tributação ainda não estava plenamente implementada, a arrecadação registrada havia sido de apenas R$ 38 milhões no mesmo período comparado. Os autores destacam que, mesmo considerando projeções anuais mais otimistas, a receita capturada pelo Estado está muito aquém dos custos que o jogo problemático impõe à sociedade.

Dimensão do fenômeno

Dados recentes utilizados pelo documento apontam que 17,7 milhões de brasileiros apostaram em seis meses de 2024 e que 5,6% da população — mais de 9 milhões de pessoas — usaram sites de apostas esportivas; entre esses usuários, 66,8% apresentam comportamento de risco ou problemático segundo a escala PGSI.

Os adolescentes são um grupo particularmente vulnerável: mais da metade (55,2%) dos adolescentes que apostaram no último ano exibiram indícios de jogo problemático ou de risco, apesar da proibição de menores nas plataformas. Há ainda forte concentração do problema entre pessoas de baixa renda: entre quem ganha até um salário mínimo, a prevalência de comportamento de risco chega a 52,8%.

Emprego e formalização: promessa vs realidade

O estudo também buscar “desmontar narrativas” que vendem a regulação como geradora massiva de empregos formais. No subsetor analisado havia apenas 1.144 empregos formais registrados em 31 de dezembro de 2024 — número pequeno frente ao faturamento e ao alcance do mercado. Além disso, cerca de 84% dos trabalhadores do setor não contribuem para a previdência, segundo PNADc 2024, evidenciando elevada informalidade e baixa transferência de renda ao mercado formal.

Impactos sociais

Os autores documentam efeitos em cadeias econômicas. Para embasar utilizara dados de que, segundo o Banco Central, famílias movimentaram cerca de R$ 240 bilhões em apostas em 2024, com impacto negativo no varejo — estimativa de R$ 103 bilhões em faturamento perdido — e relatos de que 13% dos inquilinos já atrasaram aluguel por causa de apostas online.

Pesquisas utilizadas no documento apontam ainda que 34% dos jovens (18–35) teriam adiado planos educacionais por gastos com apostas. Essas externalidades confirmam que o jogo problemático se espalha além do indivíduo, afetando famílias, mercado de trabalho e decisões de consumo e investimento.

Saúde sem financiamento

O dossiê critica a atual vinculação orçamentária: a legislação destina apenas 1% da arrecadação sobre a receita bruta das empresas de apostas ao Ministério da Saúde, um percentual que os autores consideram insuficiente frente à dimensão do dano. Não existe ainda uma vinculação específica para financiar ações da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) voltadas ao transtorno do jogo, o que dificulta comparar recursos arrecadados com custos reais suportados pelo SUS.

O resultado, segundo os autores, é uma rede de atendimento despreparada para uma demanda crescente. O documento afirma que projeções do Ministério da Saúde apontam aumento de atendimentos por transtorno do jogo de 104% até 2028 (de ~10,5 mil para ~21,9 mil atendimentos).

Experiência internacional

Os autores usam o modelo britânico como referência: o Reino Unido implementou um “statutory levy” sobre operadoras (varia conforme o tipo de operação) e destina parte significativa desses recursos ao NHS para prevenção, tratamento e pesquisa — distribuição que, em propostas e práticas, tende a separar fundos para saúde, prevenção e pesquisa. O relatório destaca que mecanismos desse tipo poderiam ser adaptados ao Brasil para financiar atendimento e ações de redução de danos.

Limitações e transparência metodológica

O dossiê deixa claro que muitas estimativas são conservadoras e que há limitações de evidência como, por exemplo, dificuldade em atribuir causalidade em muitos desfechos sociais e ausência de dados consolidados por operadora ou produto. Mesmo assim, os autores defendem que o conjunto de evidências já é robusto o suficiente para qualificar o problema como questão de saúde pública e justificar intervenções integradas.

O que o dossiê recomenda

Entre as recomendações práticas constam: (i) criação de mecanismos de financiamento estáveis para prevenção e tratamento (inspirados no modelo britânico); (ii) políticas públicas de prevenção e comunicação voltadas a grupos vulneráveis (jovens, baixa renda); (iii) integração das ferramentas de autoexclusão e autotestes em plataformas; (iv) maior fiscalização de operadores (incluindo combate a sites ilegais); e (v) fortalecimento da RAPS para absorver a demanda crescente. Os autores também apontam para a necessidade de um debate público informado sobre tributação, reparação e responsabilidades das operadoras.

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