Com nova regulamentação, apostadores recorrem a cambistas, redes sociais e contas no exterior para fugir do controle
Com a entrada em vigor das novas regras para o mercado de apostas no Brasil, um efeito colateral já chama a atenção das autoridades: o crescimento do mercado ilegal de apostas, que movimenta bilhões por fora do sistema regulado. Impulsionado pelas exigências legais e pelo aumento da fiscalização, o mercado clandestino tem ganhado força por meio de contas registradas no exterior, uso de documentos falsos e a atuação de cambistas digitais nas redes sociais.
Segundo levantamento recente do Instituto Locomotiva, três em cada quatro brasileiros que apostam online já recorreram a plataformas ilegais desde janeiro. Estima-se que entre 41% e 51% das apostas no país ocorram atualmente fora do sistema autorizado pela legislação. Esse cenário revela como o mercado ilegal de bets dribla o governo brasileiro, oferecendo alternativas que ignoram exigências de verificação cadastral, controle fiscal e medidas de proteção ao consumidor.
Contas estrangeiras escapam
Entre as estratégias mais utilizadas para burlar o sistema está o uso de contas de apostas vinculadas a países vizinhos, como Argentina e Peru. Essas plataformas, sediadas fora do alcance da legislação brasileira, tornaram-se populares entre apostadores que desejam continuar jogando sem passar por processos como envio de documentos, verificação facial ou declaração de ganhos ao Fisco.
De acordo com reportagem da DW Brasil, a prática é viabilizada por vendedores que oferecem contas prontas, muitas vezes registradas com documentos de terceiros ou até mesmo falsificados. Em grupos e fóruns nas redes sociais, é fácil encontrar ofertas desse tipo, com a promessa de anonimato e liberdade total para jogar.
A evasão fiscal também é um fator de peso nesse movimento. Enquanto as empresas legalizadas precisam lidar com uma carga tributária significativa e os usuários devem declarar seus ganhos no Imposto de Renda, as bets no exterior operam em um ambiente de menor controle. Para o apostador, isso pode representar prêmios maiores e menos obrigações fiscais — ainda que de forma ilegal.
Além disso, discussões em andamento no Congresso Nacional, como a proibição de apostas em escanteios ou cartões durante partidas de futebol, alimentam a percepção de que o produto oferecido no exterior é mais atrativo do que o legalizado no Brasil.
Cambistas digitais
Outra vertente do mercado ilegal são os chamados “cambistas de bets”, intermediários que atuam principalmente em redes sociais, aplicativos de mensagens e até com anúncios pagos em plataformas como Facebook e Instagram. Esses agentes oferecem apostas por fora das plataformas regulamentadas, aceitam pagamentos via Pix e prometem bônus e prêmios proibidos pelas novas regras.
A atuação dos cambistas vai além de facilitar apostas ilegais: muitos deles funcionam como porta de entrada para menores de idade, que são legalmente impedidos de apostar, e para jogadores compulsivos, que seriam bloqueados em sistemas com mecanismos de jogo responsável. Segundo apuração da BBC News Brasil, alguns perfis chegaram a veicular mais de cem anúncios pagos, mesmo com as regras da Meta proibindo a publicidade de operadores não licenciados.
Após denúncias, diversos anúncios foram removidos. No entanto, o problema persiste, com cambistas migrando para ambientes mais fechados, como grupos no WhatsApp e Telegram. Esses canais dificultam a fiscalização e continuam atingindo milhões de usuários, muitas vezes disfarçando a natureza ilegal do conteúdo e naturalizando a atividade, principalmente entre jovens.
Riscos legais e fraudes
As consequências legais de participar do mercado ilegal de bets são sérias. Como explica o advogado Carlos Portugal Gouvêa, ouvido pela DW, o uso de documentos falsos ou de terceiros para acessar plataformas internacionais pode configurar crimes como falsidade ideológica, associação criminosa e evasão de divisas.
A Polícia Federal já monitora movimentações financeiras relacionadas a apostas ilegais, principalmente em casos que envolvem suspeitas de fraude ou lavagem de dinheiro. E o risco não recai apenas sobre os operadores — o simples envolvimento de um usuário com essas redes pode levá-lo à responsabilização judicial, mesmo que não tenha obtido lucro direto.
Além dos riscos legais, há também o aumento de fraudes. Segundo a BBC, é comum que apostadores percam dinheiro ao pagar por boletos falsos, contas inexistentes ou bilhetes que jamais são validados. Sem proteção legal, não há a quem recorrer em caso de prejuízo. A sensação de segurança no ambiente digital, somada à informalidade, cria um terreno fértil para golpes.
Desafios
O avanço do mercado ilegal coloca em xeque os objetivos da regulamentação: ampliar a arrecadação fiscal, proteger consumidores e garantir um ambiente de apostas responsável. A existência de canais paralelos dificulta a fiscalização e compromete os esforços do Estado em estruturar um setor sustentável e transparente.