Modalidade movimenta R$ 12 bilhões por ano no Brasil
Apesar de ser uma contravenção penal há mais de 80 anos, o jogo do bicho segue amplamente disseminado no Brasil e movimenta cifras bilionárias. Segundo estimativas de um instituto brasileiro, apenas em 2024, essa modalidade de aposta informal arrecadou cerca de R$ 12 bilhões em mais de 350 mil pontos de venda ativos, número que supera as 12.600 casas lotéricas oficiais da Caixa Econômica Federal. Com tamanha relevância econômica, cresce o debate em torno da legalização do jogo, hoje proibido pela Lei de Contravenções Penais desde 1941.
Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.234/2022, que propõe a regulamentação do jogo do bicho, dos bingos, dos cassinos, das máquinas caça-níqueis e das apostas online. O texto prevê regras de concessão, fiscalização, cobrança de tributos e ações para mitigar riscos sociais. Especialistas apontam que a regularização poderia gerar empregos, aumentar a arrecadação e reduzir os riscos associados à clandestinidade — mas também acendem alertas quanto ao agravamento da dependência patológica.
Sumário
Como funciona o jogo do bicho?
O jogo do bicho opera por meio de uma estrutura hierárquica não muito diferente de uma empresa informal. Três figuras centrais conduzem o funcionamento:
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Banqueiro: financia toda a operação, assume os riscos e paga os prêmios;
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Gerente ou bicheiro: supervisiona regiões específicas, organizando os fluxos de apostas;
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Anotador ou cambista: atua na ponta do processo, registrando as apostas e recebendo o dinheiro dos jogadores.
Na prática, todos esses agentes costumam ser genericamente chamados de bicheiros.
As apostas giram em torno de 25 animais, cada um representando quatro dezenas. A lista vai do avestruz (dezenas 01 a 04) até a vaca (97 a 00), completando 100 dezenas no total. O apostador pode escolher:
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Grupo de animais (ex.: carneiro = dezenas 25, 26, 27, 28);
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Dezena exata (escolhendo um número específico de dois dígitos);
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Centena (três dígitos, com os dois últimos pertencentes a um animal);
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Milhar (quatro dígitos, com os dois últimos ligando-se a um grupo animal).
Os sorteios podem ser feitos pelos próprios operadores ou baseados nos resultados da Loteria Federal. O valor do prêmio é proporcional ao grau de dificuldade da aposta e multiplicado pelo valor apostado.
Por que é ilegal?
A proibição do jogo do bicho está na Lei de Contravenções Penais de 1941, que criminaliza jogos de azar no Brasil. A lei define como jogo de azar qualquer prática que envolva ganho financeiro baseado exclusivamente na sorte, sem interferência de habilidade ou estratégia — o que inclui o jogo do bicho, as loterias e também as bets (apostas esportivas).
Contudo, as loterias federais são autorizadas e reguladas, e parte da arrecadação é destinada a políticas públicas nas áreas de saúde, segurança, educação e cultura. As apostas online (bets), por sua vez, passaram a ser legalizadas no Brasil por meio da Lei nº 14.790/2023, mas seguem em processo de regulamentação definitiva.
Quais os riscos do jogo do bicho?
Segundo o especialista em investimentos Virgílio Lage, embora todas as formas de jogos de azar apresentem alto risco, o jogo do bicho é particularmente perigoso por operar sem qualquer regulação ou garantias legais. “O apostador não tem a quem recorrer caso não receba o prêmio. Além disso, existe o risco de envolvimento indireto com o crime organizado”, afirma.
Enquanto as loterias da Caixa são legalizadas e fiscalizadas, e as bets têm mecanismos mínimos de segurança, o jogo do bicho continua à margem do sistema financeiro e jurídico.
O que propõe o projeto de legalização?
O PL 2.234/2022, em tramitação no Congresso, visa transformar a atividade em um mercado formal e tributado, com regras específicas para exploração legal do jogo do bicho. O projeto estabelece:
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Criação de empresas licenciadas por concessão pública;
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Limitação: apenas uma empresa poderá operar o jogo do bicho por cidade com mais de 700 mil habitantes;
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Obrigatoriedade de recolhimento de dois novos tributos:
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Tafija (Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas): R$ 20 mil trimestrais para operadoras;
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Cide-Jogos (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico): alíquota de até 17% sobre a receita bruta (diferença entre o total apostado e os prêmios pagos).
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Além da arrecadação, o projeto prevê que parte dos recursos seja direcionada a áreas sensíveis, como:
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Programas de prevenção ao vício em jogos;
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Saúde pública;
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Segurança e proteção animal;
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Financiamento estudantil;
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Apoio a regiões afetadas por desastres naturais;
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Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA).
O texto também estabelece que ganhos acima de R$ 10 mil serão tributados com 20% de Imposto de Renda, medida que impactará diretamente os apostadores caso a proposta seja aprovada.
Futuro do projeto
Uma votação estava agendada no Senado para o dia 8 de julho de 2025, mas foi adiada sem nova data definida. A proposta completa segue disponível para consulta pública no site do Senado Federal. A análise foi retirada da pauta do Senado Federal por ofício do presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (União-AP). A decisão ocorreu devido ao baixo quórum e à ausência de senadores que solicitaram expressamente participar da deliberação.