Relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a Lei das Bets, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) tem um projeto de lei que aborda outro tema polêmico. O PL 5.008/2023, apresentado pela congressista em outubro do ano passado, propõe a regulamentação dos cigarros eletrônicos – também conhecidos como vapes – apesar de sua proibição no Brasil desde 2009 pela Anvisa.
O texto sugere que, mesmo com dados que apontam aumento na utilização, a medida é comparada a “tapar o sol com a peneira”, uma vez que outros produtos “tão ou mais prejudiciais” são aprovados pela agência, inclusive com apelo infanto-juvenil.
“A posição brasileira de simplesmente proibir a comercialização, a importação e a propaganda é o mesmo que tapar o sol com a peneira. A utilização dos cigarros eletrônicos é crescente e seus usuários não recebem nenhum tipo de proteção ou orientação
por parte do Estado. Paradoxalmente, diversos outros produtos que oferecem risco à saúde, tão ou mais prejudiciais que os cigarros eletrônicos, são permitidos, a exemplo dos cigarros convencionais e dos narguilés, estes mesmos aprovados pela Anvisa e encontrados em sabores e embalagens apelativos ao público infanto-juvenil, um grande paradoxo”.
Segundo dados do próprio projeto, uma pesquisa apontou aumento vertiginoso da utilização dos “vapes” – inclusive entre menores de idade – o que, segundo a senadora, demanda “regras rígidas de comercialização”.
“Uma pesquisa do Instituto em Pesquisa e Consultoria Estratégica apontam que houve aumento significativo no consumo: em 2018, 500 mil pessoas usaram algum tipo de cigarro eletrônico nos 30 dias anteriores à pesquisa; já em 2022, esse número passou para 2,2 milhões de pessoas. Portanto, os pontos de preocupação citados, como o aumento exponencial de uso e a prevalência entre adultos já são uma realidade hoje. O consumo de adolescentes é igualmente preocupante, considerando os dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar de 2019: 16,8% dos adolescentes de 13-17 já experimentaram esses produtos, mostra clara de que a proibição não tem funcionado para endereçar a situação, demandando regras rígidas de comercialização“.
Segurança jurídica
Enquanto a CPI das Bets busca medidas mais restritivas contra casas de apostas e discute até mesmo a possibilidade de banimentos, a proposta dos vapes segue caminho oposto. A senadora afirma que “faz-se necessário assegurar, de um lado, a segurança dos consumidores e, por outro, dar segurança jurídica aos fornecedores, além de garantir que os cigarros eletrônicos sejam devidamente tributados”.
Segundo a senadora, a arrecadação poderia contribuir com “financiamento de políticas públicas de controle ao tabagismo”.
“Ao regular a venda e o acesso aos cigarros eletrônicos, não apenas reduzimos as chances de que esses produtos alcancem públicos mais vulneráveis, mas também poderemos contribuir para o financiamento de políticas públicas voltadas para o controle do
tabagismo, por meio da arrecadação de impostos”.
Entre as medidas previstas pelo PL 5.008/2023 estão o controle sanitário dos produtos, que deverão ser registrados na Anvisa mediante o pagamento de uma taxa anual de R$ 100 mil, além da proibição de venda para menores de 18 anos, com aplicação de penalidades para infratores.
Saúde pública
O PL 5.008/2023 questiona a eficácia da proibição imposta pela Anvisa em 2009 e afirma que consumidores do Brasil estão “à própria sorte”, ao contrário de outros países, que já regulamentaram o uso do produto.
“Entendemos que a regulamentação desempenha um papel crucial na proteção da sociedade contra o consumo indiscriminado, o comércio ilegal de produtos falsificados, bem como na promoção de informações adequadas sobre os riscos e os danos
relacionados ao uso desses produtos. Dia após dia vemos notícias de personalidades públicas e cidadãos comuns adoecendo pelo consumo de cigarros eletrônicos ilegais no nosso País e não é razoável que, ao contrário de 84% dos países da OCDE, o Brasil
permaneça sem regras para esses produtos, deixando os consumidores à própria sorte com uma proibição ineficaz e que não reflete as melhores práticas legais e regulatórias sobre cigarros eletrônicos no mundo atual“.
Críticas de especialistas
Entidades e especialistas se posicionaram contrárias à regulamentação do produto. Para a Associação Médica Brasileira (AMB), a possível aprovação da lei seria um “desserviço aos cidadãos”.
“Está claro que o uso de cigarros eletrônicos é prejudicial à saúde e não traz nenhum benefício para seus usuários. Não precisamos de leis que liberem uso de substâncias prejudiciais à saúde. O argumento utilizado pela Senadora de que ‘a regulamentação desempenha um papel crucial na proteção da sociedade contra o consumo indiscriminado’ não se sustenta”, afirmou a entidade, por meio de um comunicado.
Segundo o médico João Paulo Lotufo, coordenador do projeto antitabágico do Hospital Universitário da USP, o país poderia criar um “exército” de fumantes.
“Uma boa parte dos jovens vai criar vício em nicotina, uma droga que causa uma dependência muito forte. É mais difícil parar de fumar do que de beber. Nós vamos criar um exército de dependentes que vão fumar o resto da vida“, afirmou.