Sofia Signorelli afirma que regionalização é ‘expressão de melhor prática regulatória e proteção da livre concorrência’
A defesa da manutenção das loterias municipais como instrumento de fortalecimento do pacto federativo e da livre concorrência foi tema de análise publicada no Poder360 pela colunista Sofia Signorelli, advogada, economista e presidente da Associação Norte-Nordeste de Direito Econômico (ANNDE), além de consultora do Banco Mundial. Em seu texto, ela afirma que “se existe alguma inconstitucionalidade, ela está exatamente na tentativa de extinguir as loterias municipais”.
Segundo a especialista, a legislação atual ignora a importância dos municípios na regulamentação das apostas, prejudicando não apenas os entes locais, mas também a própria União. “Ao literalmente ignorar a existência de um 3º ente federativo, o artigo 35-A da lei federal 14.790 de 2023, que dispôs sobre a exploração das apostas de quota fixa, criou uma verdadeira reserva de mercado”, avaliou.
Para a advogada, ao centralizar a responsabilidade, a União assumiu o ônus de monitorar sozinha um mercado difícil de controlar, além de renunciar a uma importante fonte de arrecadação tributária.
A disputa para regulamentar as loterias municipais, atualmente, é analisada no STF (Supremo Tribunal Federal) por meio da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 1212, sob relatoria do ministro Nunes Marques, e tem mobilizado prefeituras em todo o país. Líderes dos Executivos locais reivindicam respeito ao pacto federativo e à livre concorrência.
De acordo com Signorelli, “qualidade tem a ver não só com mais capacidade de monitoramento fiscal, mas com a própria regionalização do serviço, que é, indubitavelmente, de interesse local“, afirmou.
O exemplo citado pela colunista é o da LotSeridó, loteria municipal de Bodó, no Rio Grande do Norte. Segundo ela, em apenas dois meses de funcionamento, a arrecadação da LotSeridó foi três vezes superior ao valor mensal recebido pelo município via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A especialista ressalta que o incremento financeiro amplia as possibilidades de investimentos em melhorias diretas para a população.
Outro ponto destacado é o impacto da livre concorrência no valor das outorgas.
“A concorrência pelo menor preço também justifica a manutenção das loterias municipais. Isto se dá, em 1º lugar, em função do valor da outorga, que representa, em média, aproximadamente 0,1% do montante cobrado pela União“, argumentou Signorelli, ressaltando que isso diminui a concentração de mercado e reduz os incentivos à ilegalidade, criando um ambiente de fair play.
Além dos benefícios econômicos, a colunista aponta que há respaldo jurídico para a exploração da atividade econômica por todos os entes federados. Citando decisões do Supremo Tribunal Federal, ela relembrou que na ADPF 492, o ministro Gilmar Mendes afirmou que “as legislações estaduais (ou municipais) que instituem loterias em seus territórios tão somente veiculam a competência material que lhes foi franqueada pela Constituição”.
Na mesma linha, na ADPF 493, o ministro Alexandre de Moraes entendeu que “à luz do inciso 3 do Artigo 19 da Constituição, inexiste óbice na exploração das apostas lotéricas por parte dos Estados e municípios”, afirmou.
Assim, Sofia Signorelli reforça que a regionalização da atividade lotérica não é apenas legítima, mas desejável.
“A regionalização da atividade lotérica é uma expressão de melhor prática regulatória e proteção da livre concorrência, diante do crescimento de uma atividade econômica que Estado algum tem condições de brecar”, explicou.
A especialista ainda citou o sociólogo Gilberto Freyre, lembrando que, em 1962, ele descreveu o Brasil como “uma constelação de Brasis”, para destacar a importância das especificidades regionais. Para Signorelli, respeitar a autonomia dos municípios é cumprir o compromisso da Constituição de combater as desigualdades e garantir um federalismo sem hierarquias entre União, Estados e Municípios.