Para o CEO, falta uma articulação mais ampla ao setor, com alinhamento estratégico de mensagem e objetivos
O acordo histórico firmado entre Flamengo e Betano, considerado o maior patrocínio do futebol brasileiro, não trouxe apenas comemoração no universo esportivo. Para Bruno Guilherme, CEO da Brasil Sports Business, o movimento pode impactar diretamente a percepção de Brasília e acelerar a pressão regulatória sobre o mercado de apostas no país. Em entrevista exclusiva ao Portal MediaBet Brasil, ele analisou os riscos e desdobramentos de um movimento dessa magnitude para a indústria de apostas no Brasil.
Segundo ele, contratos dessa magnitude criam a impressão de que a indústria já está consolidada, quando, na realidade, ainda há pontos importantes a serem definidos.
“Esse tipo de anúncio cria a percepção, para quem acompanha de fora, de que a indústria de apostas no Brasil já está consolidada, saudável e sem problemas. Na prática, sabemos que ainda há uma série de pontos de regulamentação a serem definidos, como tributação, publicidade responsável e combate à ilegalidade. Quando surge um patrocínio bilionário, isso pode enfraquecer o discurso da indústria no Congresso, que busca mostrar a necessidade de ajustes e regras equilibradas. Em outras palavras: pode parecer que ‘está tudo resolvido’, quando não está”, afirmou.
Sumário
Falta de narrativa coletiva
O executivo ressaltou ainda que operadores e clubes não tem conseguido se articular de forma conjunta em torno de uma estratégia sólida de comunicação com a sociedade e o poder público.
“Falta união. Hoje, cada clube e cada operador segue defendendo seus próprios interesses e negociando individualmente. Enquanto não houver uma articulação mais ampla, com alinhamento estratégico de mensagem e objetivos, a narrativa coletiva perde força. A indústria já está em praticamente todos os clubes das Séries A e B, mas ainda não ‘rema na mesma direção’”, analisou.
Branding agressivo e risco de dumping
Questionado sobre a real eficácia de contratos bilionários, Bruno explicou que, na maioria dos casos, os aportes não trazem retorno imediato em valor financeiro, mas funcionam como estratégia de marca e, muitas vezes, até de isolamento de concorrentes.
“Na maioria dos casos, não retornam no curto prazo. Esses contratos muitas vezes são mais uma estratégia de branding agressivo ou até de isolamento de concorrentes (comportamento conhecido como dumping), do que propriamente uma busca por ROI direto. O valor financeiro investido dificilmente é recuperado apenas em cadastros e apostas. O retorno costuma vir no longo prazo, como consolidação de marca, mas ainda assim existe o risco de se tornar insustentável”, explica.
Esse comportamento, segundo ele, pode trazer efeitos colaterais para o equilíbrio competitivo no Brasil.
“O principal risco é concentrar demais a visibilidade em poucos players, tornando mais difícil a entrada ou sobrevivência de operadores menores. Isso pode reduzir a diversidade e a competitividade saudável no setor, além de criar um ambiente em que os clubes também fiquem reféns de poucos patrocinadores de altíssimo valor, inflacionando o mercado de forma artificial”, destacou.
Benefício para o clube, risco para a indústria
Embora o Flamengo tenha se fortalecido com o contrato, o CEO vê riscos para a indústria como um todo no médio prazo.
“O Flamengo, sem dúvida, se fortalece. Mas a indústria, como coletivo, pode sair fragilizada se esse movimento não for acompanhado de uma narrativa conjunta e de uma estratégia de sustentabilidade. No médio prazo, o risco é termos clubes inflacionando seus pedidos, casas pressionadas financeiramente e pouca capacidade de diálogo com autoridades e sociedade”, alertou Bruno.
Outro ponto sensível é a percepção social e política de que o setor dispõe de recursos ilimitados, o que pode aumentar a pressão sobre as casas de apostas.
“Na sociedade, reforça a ideia de que o setor tem muito dinheiro — e isso pode tanto gerar admiração quanto críticas. Para as autoridades, acende uma luz amarela: se há recursos tão vultosos para patrocínio, qual deve ser o nível de tributação, responsabilidade social e contrapartidas exigidas? Em resumo: aumenta a pressão política sobre a indústria”, acrescentou.
Experiências internacionais
Bruno lembra que outros países já viveram situações semelhantes.
“Não é pioneiro. Já vimos em outros mercados, como Espanha e Reino Unido, que aportes muito agressivos acabaram acelerando debates sobre restrições à publicidade e até banimentos de patrocínio de casas de apostas em camisas de clubes. Ou seja, não necessariamente fortalece o setor — às vezes pode acelerar uma reação regulatória mais dura”, avaliou.
Equilíbrio como caminho
Para o executivo, a mensagem principal para operadores, clubes e autoridades diante desse cenário é a busca por equilíbrio.
“Minha mensagem é simples: precisamos buscar equilíbrio. Operadores não podem pensar só em ‘queimar caixa’ para aparecer, clubes não podem pensar apenas em maximizar receita imediata, e autoridades não podem legislar com base apenas na percepção de que ‘o setor nada em dinheiro’. É preciso construir, juntos, uma narrativa sólida de sustentabilidade, responsabilidade e crescimento estruturado. Só assim esse mercado vai se consolidar de fato no Brasil”, concluiu.