CEO da Hebara destaca necessidade de uma operação autônoma e com discussão técnica e, não, política
Amilton Noble, CEO da Hebara e executivo com mais de 30 anos de experiência no mercado lotérico, classificou como “ação oportunista e com viés eleitoreiro” as críticas recentes à possível entrada da Caixa Loterias no mercado de apostas esportivas. Em entrevista exclusiva ao Portal MediaBet Brasil, o executivo explica por que considera essencial separar a Caixa Econômica Federal — o banco — da Caixa Loterias — a empresa que passou a operar de forma autônoma — e defende que a discussão técnica sobre a participação da loteria pública no setor não deve se transformar em disputa política.
O tema ganhou visibilidade após o presidente Lula criticar a participação do banco no mercado de apostas esportivas e entidades manifestaram preocupação sobre uma “Bet da Caixa”. Amilton usa a própria distinção institucional para argumentar que a polêmica é equivocada e politizada.
“A Caixa Econômica Federal foi instituída pelo Governo, há mais de 60 anos, para promover a operação de suas loterias. Há cerca de um ano foi criada a Caixa Loterias, uma subsidiária para atuar de forma autônoma do Banco. Por isso, não deveria haver confusão entre o Banco e a área de Loterias, que deveriam ter uma atuação totalmente distinta. É assim que se espera que a Caixa atue. A empresa de loterias deveria ter autonomia total para tomar suas decisões, sem sofrer interferências”, explicou.
Sobre as críticas que tratam a criação da Bet da Caixa como um suposto desvio da missão social do banco, o CEO afirma que essa leitura “é uma visão míope em relação ao assunto”. Na sua avaliação, “não é o banco que está querendo entrar no mercado de apostas esportivas. É uma empresa que já atua no mercado lotérico, há mais de 60 anos, que está fazendo o movimento natural de expandir sua atuação para o segmento que mais cresce no mundo, as apostas esportivas e os jogos online. Isso é um movimento fundamental para que a Caixa, na área de loterias, não fique obsoleta e não perca espaço em relação à concorrência. Isso não deveria ter nenhuma ligação com a atuação da Caixa como banco.”
Amilton também comenta a reação política ao projeto, citando a proximidade das eleições como um fator que acirra posições.
“Agora, com a proximidade do calendário eleitoral, setores do governo levantam a voz como se isso fosse novidade. Esse é o efeito colateral da atuação de uma empresa pública em um setor que deveria ser totalmente privado. Mas escolhida a opção da atuação no setor, não pode haver pressão política para atuar ou deixar de atuar. As decisões precisam ser técnicas”, ressaltou.
Sobre a hipótese frequentemente citada de que uma bet pública poderia reduzir o espaço do mercado ilegal e ampliar a arrecadação, o executivo é mais contido.
“Não acredito que isso faça diferença. Qualquer empresa que opte por atuar no mercado regulado das apostas, seja ela pública ou privada, estará contribuindo para o aumento da arrecadação para o Estado. Toda canalização das apostas é benéfica, pois tira força do mercado ilegal e reforça o lado regulado que se preocupa com os apostadores, adota as melhores práticas do segmento e gera empregos formais no Brasil”, disse.
Em seguida, apontou o principal diferencial que, segundo ele, a Caixa pode oferecer, mas destacou a importância de investimentos nos modelos físicos, ainda tímidos no Brasil.
“O imenso valor que a Caixa aportará no mercado é ter uma base de apostadores já fieis, tanto nas operações online, quanto nas Casas Lotéricas físicas, esse sim um grande diferencial da Caixa em relação aos demais players do mercado. Ninguém testou ainda uma operação landbased de apostas de quota fixa. A Caixa terá a oportunidade de experimentar um modelo que funciona em alguns lugares do mundo”, falou.
Ao tratar das preocupações sociais, como compulsão e endividamento, o executivo reafirma confiança nas práticas do mercado regulado e no papel de parceria com operadores internacionais.
“A preocupação dos operadores autorizados a operar já é grande com as políticas de jogo responsável. E vale ressaltar um detalhe importante, a Caixa não estará sozinha na operação, ela buscou um dos maiores operadores do mundo para estar com ela na operação da Caixa Bet, a Playtech. Como um grande player de escala mundial, a Playtech sabe os fundamentos dessa indústria. Se a Caixa deixar o parceiro privado trabalhar com autonomia teremos uma ótima operação”, disse.
Entretanto, ele alerta que a experiência de casos como a Lotex podem evidenciar riscos quando há intervenção indevida.
“Caso contrário, e essa tem sido uma tônica nas parcerias da Caixa Loterias (por exemplo com a Lotex), a Caixa tem interferido mais do que deveria em aspectos técnicos e de marketing. O melhor modelo é dar autonomia para o parceiro privado fazer a operação e a Caixa fica responsável pela disponibilização de sua base de clientes que já aposta online e, principalmente, se relacionando com a rede lotérica para ampliação da base de apostadores”, afirmou.
Amilton defende, ainda, que a regulamentação adequada e uma carga tributária que atraia os operadores ao mercado formal são as principais ferramentas de combate ao jogo problemático.
“Não se pode negligenciar as externalidades da atividade, mas elas só são mitigadas quando se incentiva a regulamentação e, principalmente, se pratica uma carga tributária adequada para atrair os players para o mercado regulado. O ‘inimigo’ é um só, o mercado ilegal do jogo”, destacou.
Questionado sobre eventual contribuição que um operador atrelado ao poder público poderia trazer — por exemplo, maior disposição a implementar medidas sociais ou políticas publicamente benéficas — o executivo apontou que essas medidas já são praticadas pelo mercado regulado.
“Não. Este setor, quando regulado, já adota as melhores práticas. A regulamentação brasileira é considerada uma das mais modernas do mundo. O fato de ser vinculada ao ‘poder público’ até agora só tem se mostrado negativo. Não está havendo celeridade no lançamento, agora vemos uma pressão política brutal, por questões não relacionadas à atividade. Os operadores regulados se preocupam com o Jogo Responsável, adotam modernos sistemas de KYC com reconhecimento facial, tem departamentos de compliance e conformidade em suas estruturas. Por isso não vejo nada que a Caixa Loterias possa aportar de diferente. Será mais um player. Um importante player, mas, mais um. Que adotará práticas diferentes, mas nada revolucionário”, destacou.
Questionado sobre o melhor formato para operação, Amilton insiste na abordagem técnica e de longo prazo: separar instituições, respeitar autonomia e evitar interferências políticas. Para ele, “as decisões precisam ser técnicas” e o debate público deveria se concentrar em medidas concretas para canalizar o mercado ilegal, ampliar a proteção ao apostador e garantir que qualquer novo operador — público ou privado — atue dentro das melhores práticas internacionais.