Manifestação foi protocolada em resposta à decisão do ministro Luiz Fux, em novembro
A Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que o governo brasileiro enfrenta dificuldades práticas e legais para impedir o uso de recursos do Bolsa Família em apostas esportivas online. A manifestação foi protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF), em resposta à decisão do ministro Luiz Fux, que, em novembro, determinou que o governo criasse mecanismos para evitar que os valores do programa social fossem utilizados na atividade. A medida foi confirmada por unanimidade no plenário da mais alta instância do país.
Segundo o órgão, a afirmação não seria uma recusa para cumprir a decisão. “”[…] As razões recursais ora apresentadas não pretendem manifestar discordância com as premissas conceituais constantes do acórdão embargado, as quais estão alicerçadas em preceitos constitucionais voltados à defesa da saúde mental, especialmente das crianças e adolescentes, assim como à proteção econômica de indivíduos e famílias vulneráveis”, disse.
Argumentos apresentados pela AGU
No documento, a AGU explicou que a implementação de controles rígidos esbarra em diversas limitações técnicas e operacionais, destacando:
- Multiplicidade de recursos nas contas: As contas bancárias utilizadas para receber o Bolsa Família também podem ser abastecidas por outras fontes de renda, como trabalho informal ou autônomo.
- Impossibilidade de controle detalhado: Não é viável “microgerenciar” os gastos das famílias para determinar a origem do dinheiro usado em apostas.
- Limitações legais pela LGPD: A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impede o compartilhamento de informações pessoais com empresas de apostas, dificultando bloqueios direcionados.
- Alternativas financeiras como PIX: Mesmo com o bloqueio de cartões de débito, seria impossível evitar que beneficiários usem PIX ou cartões pré-pagos para realizar pagamentos às plataformas de apostas.
Outros recursos
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), responsável pela operação do Bolsa Família, destacou que as contas bancárias utilizadas para o programa não são exclusivas para os recursos do benefício. Isso significa que os beneficiários podem utilizar o mesmo cartão para administrar outras fontes de renda, como aquelas provenientes de trabalhos autônomos ou informais.
De acordo com o ministério, um estudo do Banco Mundial aponta que 83% dos homens e 41% das mulheres que recebem o benefício possuem algum tipo de ocupação, o que evidencia a diversidade de recursos financeiros gerenciados por essas famílias.
A pasta ainda destacou que o controle dos gastos é inviável operacionalmente e mencionou experiências anteriores, como no Programa Fome Zero, em 2003.
“Ademais, não há como estabelecer controles relativos ao uso do dinheiro pelas famílias beneficiárias. Tentativas anteriores de fazê-lo (a título de exemplo, o Programa Fome Zero, instituído em 2003) testemunharam da impossibilidade de um programa de nível nacional realizar o microgerenciamento dos gastos domésticos de famílias beneficiárias”, destacou.
Débito e LGPD
O governo afirma que, mesmo que ignorasse o desafio de distinguir os recursos, seria tecnicamente inviável bloquear completamente o uso das contas vinculadas ao Bolsa Família. O Ministério também ressaltou que não pode simplesmente compartilhar com as empresas de apostas os dados dos cartões de débito do programa para bloqueio, devido às restrições impostas pela Lei Geral de Proteção de Dados, sancionada em 2018.
Também foi avaliada a possibilidade de uma proibição total do uso da função “cartão de débito” para transferências às casas de apostas. O Banco Central considerou a medida possível, mas de eficácia limitada, dado que os valores do Bolsa Família continuariam acessíveis através de outras modalidades, como PIX e transferências bancárias.
“O Decem [Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro] entende relevante indicar que a medida pode ter eficácia limitada, uma vez que as apostas poderiam continuar sendo realizadas por outros meios de pagamento, tais como cartões pré-pagos (que funciona de forma similar ao cartão de débito), Pix, TED e transferências intrabancárias”, afirmou a instituição.